O associativismo sócio-profissional<br>veio para ficar
As recentes movimentações das associações militares, pela sua grandeza, unidade e determinação, constituíram mais um momento de afirmação e legitimação do associativismo militar de carácter sócio-profissional. Daí o ataque torpe de que foram alvo, procurando desvirtuar as reais razões do seu mal-estar e insatisfação e procurando atira-las e aos militares, para campos favoráveis a acções disciplinares, a acções repressivas. Alguns, pelo que publicamente disseram, não esconderam o seu desejo de lhes pôr fim.
O Governo PS, pelo que disse e pelo que fez, veio acrescentar à longa lista de problemas mais um: o do associativismo sócio-profissional e do seu papel. Para alguns crédulos, tal deve ter constituído um choque.
O PCP teve/tem um longo, e durante muitos anos sozinho, capital de intervenção pela alteração do artigo 31 da Lei de Defesa Nacional (artigo que enlenca as restrições) e como anotámos em 2001, quando da alteração do dito artigo, poderia e devia ter-se ido – a Assembleia da República, entenda-se - mais longe. Registando os passos positivos, o PCP não deixou de considerar as alterações envergonhadas, um resultado inevitável fruto da crescente afirmação e consolidação do associativismo sócio-profissional nos militares. O PS, o PSD e o CDS-PP, resistindo cada um à sua maneira, mas confluindo num mesmo caudal, cuja premissa base era a restrição, foram arrastados pela realidade nacional e internacional. Neste sentido, não constitui estranheza as concepções agora expressas por essas forças políticas, particularmente o PS e o PSD, sendo certo que os já 15 anos de existência de associações com esta natureza entre nós, pudesse ter tido um efeito clarificador. Assim não aconteceu (!) como o mostra a realidade.
Considerar, como o faz o ministro Luís Amado, que «as movimentações clarificaram a delimitação dos direitos dos militares» é mais uma prova disto mesmo, bem como das concepções antidemocráticas que invadem este ministro e este governo. Se alguma coisa ficou provado, e à vista de todos os portugueses, é que milhares de militares estiveram na rua, agregaram solidariedades, mostraram um alto sentido cívico e de responsabilidade e que, apesar das mensagens, ameaças e tudo o mais (e é muito), «não há machado que corte a raiz ao pensamento».
Aquilo que os militares possuem, sobretudo os sargentos e praças, não lhes foi dado mas conquistado. Assim foi para que tivessem, pasme-se, um Estatuto que estabelecesse direitos e deveres, coisa que só veio a acontecer em começos dos anos 90. E deles partiram iniciativas, anos a fio, com esse objectivo e para a revisão da vergonhosa versão inicial. As praças, para terem direito a um Clube com fins culturais, desportivos e recreativos foram sujeitos a ameaças e perseguições, e obtiveram-no em meados dos anos 80. E o mesmo para a constituição das associações, sobretudo os sargentos que deram esse passo primeiro com a constituição da Associação Nacional de Sargentos (ANS). E o mesmo para a alteração do tal artigo 31, com militares presos, castigados, etc.. O mesmo para obterem o simples direito de acesso directo ao Provedor de Justiça, direito esse alcançado já em meados dos anos 90. Isto são factos! E contra estes processos, sempre estiveram à partida o PS, o PSD e o CDS. Mas o facto maior, a verdadeira lição que todos estes processos encerram, é que quem não luta já perdeu. E aqui quem perdeu está bem de ver.
No quadro das declarações produzidas em torno das recentes movimentações, uma das vozes crispadas contra o associativismo foi a do Almirante Vieira Matias. O Almirante Vieira Matias incorporou uma espécie de conselho consultivo do CDS-PP, ao qual publicamente aderiu no tempo de Portas, e num dos programas «Prós e Contras» (embora o nome correcto devesse ser Prós e Prós) dedicado a questões de segurança, foi apresentado pela jornalista como uma pessoa com altas responsabilidades.... A jornalista lá saberá do que fala em público, o resto dos portugueses é que se terão, provavelmente, interrogado sobre que responsabilidades já que, que se saiba, publicamente não consta que o Alm. Matias tenha sido indigitado para coisa alguma e se o não foi publicamente... Bom, mas disse o Almirante que os políticos fizeram mal, há uns anos atrás, ou seja, quando o associativismo começou a brotar, em receber as associações. E acrescentou, os Chefes avisaram! Descodificando, criticou o Almirante Matias a Assembleia da República, a Comissão Parlamentar de Defesa, o então Presidente da República e a sua Casa Militar, o então Provedor de Justiça Menéres Pimentel e etc., por terem aceite ouvir aquilo que as associações, mais concretamente a ANS, tinha para dizer. Tudo com o passo trocado, só o Almirante vai com o passo certo. Mais palavras para quê?
No caminho para a construção e reconhecimento do associativismo de carácter sócio-profissional realizaram-se, durante os anos 90, várias iniciativas com estruturas similares de países europeus.
O PCP, no quadro dos convites endereçados à comissão parlamentar de Defesa e aos grupos parlamentares, marcou presença. A primeira iniciativa do género, promovida pela Associação Nacional de Sargentos, teve lugar em 11 de Junho de 1992. Nessa iniciativa, o Presidente da AFMP (Associação Geral do Pessoal Militar) da Holanda, associação essa que contava à data com 25 000 mil membros, começou a sua intervenção dizendo que, para além de ser o presidente da referida associação, era «um dos cinco membros do Comité Executivo da Euromil (associação europeia que congrega estruturas associativas sócio-profissionais militares). Sou um oficial no activo da real Força Aérea da Holanda. (...) A minha carreira militar começou em 1962. Hoje, falo-vos como Presidente da AFMP e não como oficial, o que explica que não esteja fardado». E disse ainda que «o Parlamento Europeu aprovou em 24 de Abril de 1984, uma resolução com o seguinte texto “Apela a todos os Estados membros da Comunidade Europeia a concederem aos seus militares o direito de, em tempo de paz, criar, aderir e activamente participar em Associações profissionais, afim de defenderem os seus interesses sociais”».
Recorda-se isto, como apontamento histórico, como uma experiência internacional entre as dezenas existentes e, sobretudo, como conclusão de que a realidade associativa de carácter sócio-profissional é inapagável. O PS, o ministro da Defesa, deviam por um lado, conhecer essa realidade e, por outro lado, verem bem que conselheiros têm. Em dezenas de países existe associativismo sócio-profissional, nalguns mesmo sindicatos, e daí nenhum mal advêm à tão falada coesão e disciplina das Forças Armadas.
Uma tónica das intervenções do ministro, permite pensar que ele concebe as associações, enquadradas numa linha de comando, como se fossem mais uma unidade das FFAA. Ora, as associações são organizações de direito privado e não estruturas militares ou criadas no âmbito interno das FFAA, a exemplo de várias estruturas existentes na Marinha, que sendo eleitas pelas respectivas classes, são como que órgãos coadjuvantes do Comando. As associações são outra realidade e são-no, exactamente porque a experiência dessas outras estruturas, remetidas a um papel de conselheiros, fracassaram. E porquê? Porque quem devia não ouviu, não atendeu, não deu resposta, fingiu, ignorou. Acresce que, com as alterações introduzidas no método de escolha das Chefias e o crescente papel que o PS, o PSD e o CDS pretendem atribuir aos Chefes dos Ramos, não tem sentido os militares discutirem vencimentos e outros apoios sociais com os Chefes, mas sim com o governo. Até é bom para o Chefes, para a tal coesão e disciplina, que tal aconteça. Aliás, é exactamente por isso, que a Lei que consagrou o associativismo, estabelece que as associações devem participar em grupos de trabalho e comissões, criadas no âmbito do Ministério da Defesa, para assuntos respeitantes ao seu objecto – sistema retributivo, carreiras, apoios sociais, etc.. É esta a realidade em muitos países da Europa e não só, sem que tal ponha em causa essa inventona, esse papão, da disciplina e da coesão. E é assim, porque não são os Chefes que determinam tais matérias, mas os governos respectivos. E isto, nada tem de contraditório com a devida auscultação e articulação que o governo deve fazer com as Chefias.
A vida já mostrou que não existem mecanismos ou expedientes administrativos que se sobreponham à vida, à realidade. Se a insatisfação e o mal-estar existem, se o sentimento de degradação social e de direitos existe, não há expediente administrativo que o resolva. Esta é uma singela lição que a história nos transmite e que as recentes, e passadas, iniciativas dos militares provam.
Para o PCP, o caminho para a resolução dos problemas é, desde logo, o de dar substância à lei do associativismo sócio-profissional, inserindo as associações nos processos que têm a ver com elas. Uma inserção efectiva e não por frete; uma inserção participante e não condescendente. Está aqui a possibilidade de remeter a situação a uma matriz aliviadora de tensões. Por tudo o que já foi dito pelo ministro, e foram ditas coisas de mais e graves, cremos que esse não vai ser o caminho adoptado. Os ministros e governos passam, os militares ficam. Eis também uma lição.
O PCP teve/tem um longo, e durante muitos anos sozinho, capital de intervenção pela alteração do artigo 31 da Lei de Defesa Nacional (artigo que enlenca as restrições) e como anotámos em 2001, quando da alteração do dito artigo, poderia e devia ter-se ido – a Assembleia da República, entenda-se - mais longe. Registando os passos positivos, o PCP não deixou de considerar as alterações envergonhadas, um resultado inevitável fruto da crescente afirmação e consolidação do associativismo sócio-profissional nos militares. O PS, o PSD e o CDS-PP, resistindo cada um à sua maneira, mas confluindo num mesmo caudal, cuja premissa base era a restrição, foram arrastados pela realidade nacional e internacional. Neste sentido, não constitui estranheza as concepções agora expressas por essas forças políticas, particularmente o PS e o PSD, sendo certo que os já 15 anos de existência de associações com esta natureza entre nós, pudesse ter tido um efeito clarificador. Assim não aconteceu (!) como o mostra a realidade.
Considerar, como o faz o ministro Luís Amado, que «as movimentações clarificaram a delimitação dos direitos dos militares» é mais uma prova disto mesmo, bem como das concepções antidemocráticas que invadem este ministro e este governo. Se alguma coisa ficou provado, e à vista de todos os portugueses, é que milhares de militares estiveram na rua, agregaram solidariedades, mostraram um alto sentido cívico e de responsabilidade e que, apesar das mensagens, ameaças e tudo o mais (e é muito), «não há machado que corte a raiz ao pensamento».
Aquilo que os militares possuem, sobretudo os sargentos e praças, não lhes foi dado mas conquistado. Assim foi para que tivessem, pasme-se, um Estatuto que estabelecesse direitos e deveres, coisa que só veio a acontecer em começos dos anos 90. E deles partiram iniciativas, anos a fio, com esse objectivo e para a revisão da vergonhosa versão inicial. As praças, para terem direito a um Clube com fins culturais, desportivos e recreativos foram sujeitos a ameaças e perseguições, e obtiveram-no em meados dos anos 80. E o mesmo para a constituição das associações, sobretudo os sargentos que deram esse passo primeiro com a constituição da Associação Nacional de Sargentos (ANS). E o mesmo para a alteração do tal artigo 31, com militares presos, castigados, etc.. O mesmo para obterem o simples direito de acesso directo ao Provedor de Justiça, direito esse alcançado já em meados dos anos 90. Isto são factos! E contra estes processos, sempre estiveram à partida o PS, o PSD e o CDS. Mas o facto maior, a verdadeira lição que todos estes processos encerram, é que quem não luta já perdeu. E aqui quem perdeu está bem de ver.
No quadro das declarações produzidas em torno das recentes movimentações, uma das vozes crispadas contra o associativismo foi a do Almirante Vieira Matias. O Almirante Vieira Matias incorporou uma espécie de conselho consultivo do CDS-PP, ao qual publicamente aderiu no tempo de Portas, e num dos programas «Prós e Contras» (embora o nome correcto devesse ser Prós e Prós) dedicado a questões de segurança, foi apresentado pela jornalista como uma pessoa com altas responsabilidades.... A jornalista lá saberá do que fala em público, o resto dos portugueses é que se terão, provavelmente, interrogado sobre que responsabilidades já que, que se saiba, publicamente não consta que o Alm. Matias tenha sido indigitado para coisa alguma e se o não foi publicamente... Bom, mas disse o Almirante que os políticos fizeram mal, há uns anos atrás, ou seja, quando o associativismo começou a brotar, em receber as associações. E acrescentou, os Chefes avisaram! Descodificando, criticou o Almirante Matias a Assembleia da República, a Comissão Parlamentar de Defesa, o então Presidente da República e a sua Casa Militar, o então Provedor de Justiça Menéres Pimentel e etc., por terem aceite ouvir aquilo que as associações, mais concretamente a ANS, tinha para dizer. Tudo com o passo trocado, só o Almirante vai com o passo certo. Mais palavras para quê?
No caminho para a construção e reconhecimento do associativismo de carácter sócio-profissional realizaram-se, durante os anos 90, várias iniciativas com estruturas similares de países europeus.
O PCP, no quadro dos convites endereçados à comissão parlamentar de Defesa e aos grupos parlamentares, marcou presença. A primeira iniciativa do género, promovida pela Associação Nacional de Sargentos, teve lugar em 11 de Junho de 1992. Nessa iniciativa, o Presidente da AFMP (Associação Geral do Pessoal Militar) da Holanda, associação essa que contava à data com 25 000 mil membros, começou a sua intervenção dizendo que, para além de ser o presidente da referida associação, era «um dos cinco membros do Comité Executivo da Euromil (associação europeia que congrega estruturas associativas sócio-profissionais militares). Sou um oficial no activo da real Força Aérea da Holanda. (...) A minha carreira militar começou em 1962. Hoje, falo-vos como Presidente da AFMP e não como oficial, o que explica que não esteja fardado». E disse ainda que «o Parlamento Europeu aprovou em 24 de Abril de 1984, uma resolução com o seguinte texto “Apela a todos os Estados membros da Comunidade Europeia a concederem aos seus militares o direito de, em tempo de paz, criar, aderir e activamente participar em Associações profissionais, afim de defenderem os seus interesses sociais”».
Recorda-se isto, como apontamento histórico, como uma experiência internacional entre as dezenas existentes e, sobretudo, como conclusão de que a realidade associativa de carácter sócio-profissional é inapagável. O PS, o ministro da Defesa, deviam por um lado, conhecer essa realidade e, por outro lado, verem bem que conselheiros têm. Em dezenas de países existe associativismo sócio-profissional, nalguns mesmo sindicatos, e daí nenhum mal advêm à tão falada coesão e disciplina das Forças Armadas.
Uma tónica das intervenções do ministro, permite pensar que ele concebe as associações, enquadradas numa linha de comando, como se fossem mais uma unidade das FFAA. Ora, as associações são organizações de direito privado e não estruturas militares ou criadas no âmbito interno das FFAA, a exemplo de várias estruturas existentes na Marinha, que sendo eleitas pelas respectivas classes, são como que órgãos coadjuvantes do Comando. As associações são outra realidade e são-no, exactamente porque a experiência dessas outras estruturas, remetidas a um papel de conselheiros, fracassaram. E porquê? Porque quem devia não ouviu, não atendeu, não deu resposta, fingiu, ignorou. Acresce que, com as alterações introduzidas no método de escolha das Chefias e o crescente papel que o PS, o PSD e o CDS pretendem atribuir aos Chefes dos Ramos, não tem sentido os militares discutirem vencimentos e outros apoios sociais com os Chefes, mas sim com o governo. Até é bom para o Chefes, para a tal coesão e disciplina, que tal aconteça. Aliás, é exactamente por isso, que a Lei que consagrou o associativismo, estabelece que as associações devem participar em grupos de trabalho e comissões, criadas no âmbito do Ministério da Defesa, para assuntos respeitantes ao seu objecto – sistema retributivo, carreiras, apoios sociais, etc.. É esta a realidade em muitos países da Europa e não só, sem que tal ponha em causa essa inventona, esse papão, da disciplina e da coesão. E é assim, porque não são os Chefes que determinam tais matérias, mas os governos respectivos. E isto, nada tem de contraditório com a devida auscultação e articulação que o governo deve fazer com as Chefias.
A vida já mostrou que não existem mecanismos ou expedientes administrativos que se sobreponham à vida, à realidade. Se a insatisfação e o mal-estar existem, se o sentimento de degradação social e de direitos existe, não há expediente administrativo que o resolva. Esta é uma singela lição que a história nos transmite e que as recentes, e passadas, iniciativas dos militares provam.
Para o PCP, o caminho para a resolução dos problemas é, desde logo, o de dar substância à lei do associativismo sócio-profissional, inserindo as associações nos processos que têm a ver com elas. Uma inserção efectiva e não por frete; uma inserção participante e não condescendente. Está aqui a possibilidade de remeter a situação a uma matriz aliviadora de tensões. Por tudo o que já foi dito pelo ministro, e foram ditas coisas de mais e graves, cremos que esse não vai ser o caminho adoptado. Os ministros e governos passam, os militares ficam. Eis também uma lição.